Muito comum, mesmo entre os espíritas, que se faça
confusão entre os termos morte e desencarne, porém os termos possuem sentidos
diferentes e a compreensão deles nos ajudará a esclarecer um assunto muito
importante: o que acontece com o Espírito no momento da morte do corpo? Ela é
dolorosa? É igual para todos? É a todas essas perguntas que tentaremos
esclarecer neste artigo.
Para ajudar a esclarecer esse assunto tão fascinante
é preciso, antes de tudo, conhecermos o significado dos termos morte e
desencarne para o Espiritismo.
- A morte é o fim da vida do corpo físico, ocorre
quando o corpo, natural ou forçadamente, não tem mais condições de se manter
vivo.
- O desencarne é o processo de desligamento do
Espírito, e seu corpo espiritual ou perispírito, do corpo físico.
Ao
reencarnar o Espírito se une ao corpo físico através de seu perispírito
molécula a molécula, no desencarne esse processo é invertido e o Espírito se
desligará do corpo também molécula a molécula. A esse respeito Kardec escreveu que
“o fluido perispiritual só pouco a pouco
se desprende de todos os órgãos, de sorte que a separação só é completa e
absoluta quando não mais reste um átomo do perispírito ligado a uma molécula do
corpo”1. É importante
ressaltar o fato de que morte e desencarne acontecem, normalmente, em momentos
distintos e é isso que veremos agora com mais detalhes.
Kardec generaliza os diferentes “tipos” de desencarne
quanto ao momento em que se dão e conseqüentemente quanto à facilidade ou
dificuldade do processo. Os exemplos devem ser entendidos como casos extremos e,
portanto, existem muitas variações entre um tipo e outro. Essa generalização
foi feita em quatro grandes grupos que são:
- “Se no
momento em que se extingue a vida orgânica o desprendimento do perispírito
fosse completo, a alma nada sentiria absolutamente.
- Se
nesse momento a coesão dos dois elementos (os dois corpos espiritual e carnal)
estiver no auge de sua força, produz-se uma espécie de ruptura que reage
dolorosamente sobre a alma.
- Se a
coesão for fraca, a separação torna-se fácil e opera-se sem abalo.
- Se após a cessação completa da vida orgânica
existirem ainda numerosos pontos de contacto entre o corpo e o perispírito, a
alma poderá ressentir-se dos efeitos da decomposição do corpo, até que o laço
inteiramente se desfaça”2.
Após
esses oportunos esclarecimentos sobre os diferentes processos de desencarne,
Kardec finaliza dizendo que “daí resulta
que o sofrimento, que acompanha a morte, está subordinado à força adesiva que
une o corpo ao perispírito; que tudo o que puder atenuar essa força, e acelerar
a rapidez do desprendimento, torna a passagem menos penosa; e, finalmente, que,
se o desprendimento se operar sem dificuldade, a alma deixará de experimentar qualquer
sentimento desagradável”3.
Mas
então o que gera essa força “adesiva” que torna o corpo espiritual mais ligado
ao corpo carnal e, por conseqüência, mais difícil e penoso o seu desligamento
para o Espírito? Kardec mais uma vez vem nos esclarecer quando responde que “o estado moral da alma é a causa principal
que influi sobre a maior ou menor facilidade do desligamento. A afinidade entre
o corpo e o perispírito está em razão do apego do Espírito à matéria; está em
seu máximo no homem cujas preocupações todas se concentram na vida e nos gozos
materiais; ela é quase nula naquele cuja alma depurada está identificada por
antecipação com a vida espiritual. Uma vez que a lentidão e a dificuldade da
separação estão em razão do grau de depuração e de desmaterialização da alma,
depende de cada um tornar essa passagem mais ou menos fácil ou penosa,
agradável ou dolorosa”4.
Fica
agora fácil entender que os fenômenos da morte e do desligamento do Espírito em
relação ao corpo (desencarne) ocorrem, de modo geral, em momentos distintos
podendo ser essa diferença de tempo em horas, dias, meses e mesmo anos. O que também
nos chama a atenção é o fato de depender de cada um tornar esse momento mais
fácil e agradável ou mais penoso e doloroso. A vida plenamente material onde se
busca tudo que a matéria oferece como gozos e posses é aquela que dará mais
dificuldade ao Espírito na hora do desencarne. Aquele que vive conforme a moral
do Evangelho, dando importância relativa às coisas materiais, reconhecendo seu
valor, mas não vivendo em função disso e principalmente reconhecendo e
aceitando os Desígnios Divinos acima de qualquer revolta, esse sim terá uma
passagem tranqüila e fácil quando chegar sua hora.
Existe
um outro fenômeno que possui relação direta com a moral do indivíduo e que começa
a acontecer imediatamente após a morte do corpo, é o fenômeno da perturbação
espiritual. Como nos esclarece Kardec a esse respeito “[...] nesse momento a alma sente um entorpecimento
que paralisa, momentaneamente, as suas faculdades e neutraliza, pelo menos em
parte, as sensações; está, por assim dizer, cataleptizada, de sorte que quase
nunca testemunha consciente o último suspiro. [...] A perturbação pode, pois,
ser considerada como estado normal no instante da morte; a sua duração é
indeterminada; varia de algumas horas a alguns anos. À medida que ela se
dissipa, a alma está na situação do homem que sai de um sono profundo; as
idéias estão confusas, vagas e incertas; vê-se como através de um nevoeiro;
pouco a pouco a visão se ilumina, a memória retorna e ela se reconhece. Mas
esse despertar é bem diferente, segundo os indivíduos; nuns é calmo e proporciona
uma sensação deliciosa; noutros, é cheio de terror e ansiedade, e produz o
efeito de um horrível pesadelo ”5.
Assim
fica mais uma vez clara a importância de uma vida reta, onde impere a moral do
Evangelho de Jesus e onde cada um se esforce para ser cada dia melhor que no
dia anterior. Para fechar a questão trago mais uma citação de Kardec onde ele
fecha o assunto com muita clareza e objetividade:
“O último alento quase nunca é doloroso, uma
vez que ordinariamente ocorre em momento de inconsciência, mas a alma sofre
antes dele a desagregação da matéria, nos estertores da agonia, e, depois, as
angústias da perturbação. Demo-nos pressa em afirmar que esse estado não é geral,
porquanto a intensidade e duração do sofrimento estão na razão direta da
afinidade existente entre corpo e perispírito. Assim, quanto maior for essa
afinidade, tanto mais penosos e prolongados serão os esforços da alma para
desprender-se. Há pessoas nas quais a coesão é tão fraca que o desprendimento
se opera por si mesmo, como que naturalmente; é como se um fruto maduro se
desprendesse do seu caule, e é o caso das mortes calmas, de pacífico despertar”6.
Referências:
1.
Kardec, Allan. O céu e o inferno. 2ª parte, cap.
1, item 4.
2.
Idem. Ibidem, item 5.
3.
Idem. Ibidem.
4.
Idem. Ibidem, item 8.
5.
Idem. Ibidem, item 6.
6.
Idem. Ibidem, item 7.